Proteção Jurídica para Pessoas com Deficiência: Caminhos Legais para Garantir o Patrimônio ao Longo da Vida
- aaobatista
- 2 de ago.
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Durante muito tempo, pessoas com deficiência intelectual, mental ou psicossocial eram automaticamente consideradas incapazes para os atos da vida civil. No entanto, com a entrada em vigor da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), esse cenário mudou significativamente. Inspirada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, com status de emenda constitucional no Brasil (Decreto nº 6.949/2009), a nova legislação passou a priorizar a autonomia, dignidade e inclusão social.
A regra atual é clara: toda pessoa é considerada capaz, independentemente de sua deficiência, salvo em situações específicas e analisadas caso a caso. Isso impôs um novo desafio às famílias — especialmente aos pais de filhos neurodivergentes — que precisam encontrar o equilíbrio entre respeitar a autonomia e garantir a proteção jurídica e patrimonial na vida adulta.
Diante desse novo paradigma, surgem dúvidas importantes: quando e como intervir para proteger sem excluir? Quais são os instrumentos legais disponíveis para assegurar que uma pessoa deficiente ou neurodivergente tenha apoio adequado nas decisões da vida adulta, especialmente aquelas que envolvem patrimônio, contratos e saúde?
Nesse contexto, três mecanismos ganham destaque por permitirem diferentes níveis de suporte e proteção: a curatela, a tomada de decisão apoiada e, em casos mais restritos, a tutela. Cada uma dessas alternativas possui características próprias, exigências legais e repercussões distintas na vida da pessoa com deficiência — e compreender suas diferenças é essencial para fazer escolhas conscientes e seguras.
A curatela é o instrumento mais tradicional. Trata-se de uma medida judicial em que o juiz nomeia um curador para auxiliar ou representar a pessoa maiores em determinados atos da vida civil, limitando sua autonomia apenas naquilo que for necessário. Ela não é mais total, como ocorria antes da vigência da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). De acordo com o art. 84, § 3º, essa medida deve ser proporcional às necessidades da pessoa, limitada no tempo e restrita aos atos necessários à proteção dos interesses patrimoniais e negociais, como contratos, administração de bens e movimentações financeiras. Além disso, o §4º do mesmo artigo reforça que a curatela é medida extraordinária, a ser adotada apenas quando for indispensável, devendo preservar ao máximo a autonomia da pessoa. Assim, ela não retira a personalidade civil nem compromete direitos existenciais, servindo apenas como instrumento de apoio jurídico em situações específicas de vulnerabilidade.
É recomendada quando a pessoa com deficiência/neurodivergente, mesmo na vida adulta, não consegue compreender plenamente ou gerir sozinha assuntos que envolvem riscos patrimoniais, como a assinatura de contratos, movimentações financeiras ou administração de bens. Nessas situações, a ausência de apoio legal adequado pode comprometer seu bem-estar e torná-la vulnerável a prejuízos, fraudes ou decisões impulsivas. Por isso, a curatela, quando aplicada de forma proporcional e respeitosa, cumpre o papel de proteger sem anular a dignidade da pessoa envolvida.
Já a tomada de decisão apoiada está prevista e regulamentada nos artigos 1.783-A a 1.783-C do Código Civil,. Nesse modelo, a própria pessoa com deficiência escolhe duas pessoas de confiança, que a auxiliarão a tomar decisões importantes, sem tirar sua autonomia. A decisão final é sempre da pessoa apoiada, e os apoiadores apenas a ajudam a compreender as implicações jurídicas dos atos.
Este mecanismo de proteção é especialmente indicado quando a pessoa que possui capacidade cognitiva preservada, ou seja, entende as situações do dia a dia e tem condições de manifestar sua vontade, mas prefere contar com o apoio formal de pessoas de confiança para tomar decisões importantes. Esse modelo é ideal para quem possui um bom grau de autonomia, mas enfrenta dificuldades pontuais, como compreender questões jurídicas mais complexas, analisar contratos ou lidar com decisões patrimoniais. Nesse formato, ela continua sendo a protagonista de suas escolhas, apenas com o suporte legalmente reconhecido de quem ela mesma escolheu para estar ao seu lado.
A tutela é um instrumento jurídico destinado exclusivamente à proteção de menores de idade, inclusive aqueles com deficiência, nos casos em que estejam desacompanhados dos pais ou responsáveis legais, seja por falecimento, destituição do poder familiar ou ausência legalmente reconhecida. Trata-se de uma medida de representação civil que visa garantir os direitos fundamentais da criança ou adolescente até que atinja a maioridade ou se regularize sua situação familiar.
No contexto do planejamento sucessório, é possível que os pais indiquem, por meio de testamento público ou particular, a pessoa de sua confiança para exercer a tutela de seus filhos menores caso venham a faltar. Essa indicação, embora respeitada pelo juiz, não é automática, já que sua efetivação depende de homologação judicial e do melhor interesse do menor. A autoridade judicial poderá, inclusive, rejeitar a nomeação se entender que não atende ao princípio da proteção integral.
Cada pessoa com deficiência/neurodivergente possui um perfil único, com diferentes níveis de autonomia, compreensão e capacidade de autogestão. Por isso, não existe uma solução jurídica padronizada. A escolha entre curatela, decisão apoiada ou outro instrumento legal deve ser realizada com base em uma avaliação individualizada, que considere aspectos médicos, emocionais, sociais e jurídicos — preferencialmente com o apoio de uma equipe interdisciplinar que conheça a realidade daquela família.
Mais do que garantir respaldo legal, é essencial prever a continuidade do cuidado por meio da proteção patrimonial. Muitos pais, movidos pela responsabilidade e pelo amor, deixam pensões, imóveis, seguros ou aplicações financeiras pensando no bem-estar futuro dos filhos. No entanto, sem instrumentos jurídicos adequados, esse patrimônio pode ser mal gerido, desviado ou até mesmo gerar conflitos e prejuízos ao próprio beneficiário. Por isso, o planejamento deve abranger não apenas os direitos civis e representativos, mas também mecanismos patrimoniais que assegurem a destinação correta dos recursos, o cumprimento de vontades e a sustentabilidade dos cuidados ao longo do tempo.
Pensar sobre isso ainda em vida, de forma consciente e estruturada, não é pessimismo — é proteção em sua forma mais generosa e responsável.



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